sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Fácil de calçar

Não posso ser considerado vaidoso: não me visto bem, não aparo a barba, não compro objetos decorativos pro meu quarto, não arrumo nem os amassados do meu carro.

Meu pai, por exemplo, sempre me diz para comprar camisetas novas e trocar meu tênis. Numa dessas, uma namorada minha me fez comprar dois pares de tênis, que perduram como meus únicos calçados até hoje. Eu até que gosto deles, eles são confortáveis e fáceis de calçar - coisas que valorizo num calçado!

Depende do que você dá valor. Tem gente que dá valor a sapatos bonitos, tem gente que gosta dos sapatos duráveis e tem outros, como eu, que gostam dos confortáveis.

Depende também do que os outros dão valor.

Para quem gosta de sapato bonito, os que gostam de sapatos duráveis são chatos, enquanto os que gostam de sapatos confortáveis são desleixados.

Para quem gosta de sapato durável, os que gostam de sapato bonito são fúteis e os que gostam de sapato confortável são preguiçosos.

Finalmente, para quem gosta de sapato confortável, como eu, quem gosta de sapato durável e quem gosta de sapato bonito está sempre com os pés doendo, o que é uma pena.

Alguns tentam ter sapatos bonitos, roupas bonitas, rostos bonitos, corpos bonitos, carros bonitos, casas bonitas, cachorros bonitos.

Tentam ser cultos, inteligentes, poderosos, famosos ou ricos.

Espertos, sedutores ou competentes.

Ou úteis.

Eu gosto de tênis confortáveis. Tenho dois deles: um azul e um marrom.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Não posso morrer

Só tenho vinte e cinco anos, não é idade de se morrer. Não, quero mais muitos anos. Vou fazer tanta falta para alguém. Vou deixar tanta coisa por fazer. Vinte e cinco é muito cedo: não posso morrer.

Um puxão no gatilho e já era. Um tropeção na bordinha. Atropelado na estrada, engasgado com osso de galinha, esfaqueado, acidentado, doente, traído... Tantas formas de morrer que me admiro ainda estar vivo.

Pensando bem, não sei meu prazo. Não me sinto pronto. Será que um dia me sentirei? Quem precisa estar pronto para morrer? Morrer é tão fácil - todos vamos morrer.

Aos dez na escola, aos vinte na faculdade, aos trinta no trabalho, aos quarenta casado, aos cinquenta com filhos, aos sessenta aposentado, aos setenta avô, aos oitenta descansando. Com noventa, lamentamos quem se for. Aos cem já é hora extra! Mais do que isso dá no jornal. Todas essas coisas da vida estão na história dos outros, não na minha. Não ainda. Todas as minhas aspirações, os sonhos, os planos, todos são cópias de vidas já vividas.

Não posso morrer.

E se eu morrer?

A morte será o fim de todas as coisas para mim: dos amigos e inimigos, dos doces e refrigerantes, dos videogames, dos amores, dos cometas, das frustrações, das preocupações, das batatas, das alegrias, das guerras e dos dinossauros.

Ela vai me tirar tudo, vai mudar tudo para nada. Eu não posso, não quero morrer!

Sem a morte, resta a eternidade. Viver para sempre, poder sempre contar com o amanhã. E com o depois de amanhã. E com o depois de depois de amanhã. E saber que não importa quanto tempo passe, eu ainda mal comecei.

Com tempo ilimitado, posso fazer tudo. Posso conhecer todos os lugares, ler todos os livros, ver todos os filmes, jogar todos os jogos, praticar todos os esportes, pedir todos os sabores de pizza. Serei sábio, habilidoso, experiente.

Nenhum desafio me intimidará se não tiver a morte para encerrar minhas tentativas. As escolhas não serão importantes, eu vou ter tempo para viver todas as experiências.

Mas se as escolhas não são importantes, também não há satisfação em tomar a correta. Não há frustração em tomar a errada. Não haverão consequências que não possam ser revertidas. Em algum momento, nada será inédito, nada vai surpreender. Nada vai me desafiar, nada vai me entreter, nada vai me doer e nada vai me aliviar.

A vida dividida num tempo que corre infinito tende a zero. É simples como na matemática.

A eternidade é o único castigo do qual não poderíamos escapar. Só pensar nela já faz eu querer me matar.

Morte, conto com você.

domingo, 30 de outubro de 2011

Não sei

Somos curiosos, não somos? Quando não conseguimos a resposta de algo, ficamos seriamente incomodados. Será que a gente busca a verdade mesmo?

Se em algum momento não sabemos algo, perguntamos aos outros. Nessa hora, que frustração dá ouvir aquele “não sei” seco, não é? Preferimos ouvir qualquer explicação, mesmo que forjada, mesmo que incerta.

Acontece que às vezes “não sei” é a resposta certa, e nesse caso não deve ser mascarada.

Uma vez estava no trânsito do Rio de Janeiro e perguntei a um taxista qual era o melhor caminho para o Engenho Velho. Era um taxista gordo, de barba rala, que suava litros. No momento que ouviu a pergunta sua cara se contorceu como num quadro do Picasso. O pobre taxista soltou um grunhido de dor, passou a mão vigorosamente na cara suada e murmurou: porra... engenho velho cara?

A tortura continuou por mais alguns segundos até que ele me deu algumas instruções, com a voz trêmula e cheio de hesitações. Desprovido de outra opção, decidi seguir as instruções do taxista. Adivinham se cheguei no Engenho Velho?

Sim, cheguei ao Engenho Velho!

Esse não foi um bom exemplo para o meu argumento.

Não sei um bom exemplo, mas isso quer dizer que estou errado? Poderia ter mentido na história que contei, e ela se tornaria um bom exemplo. Mas que diferença isso faz? Histórias inventadas não podem ser tomadas como provas de nada.

Muita gente acha que histórias bem contadas envolvendo magia podem ser provas de que o mundo foi criado em sete dias há apenas 10 mil anos, por mais absurdo que isso possa soar. Os criacionistas são 120 milhões só no Brasil!

Mas não apenas em questões filosóficas devemos ser mais amigos do “não sei”. Questões do dia-a-dia, como “por que tanta fila no cinema?” ou “por que fizeram isso comigo?” são típicas candidatas a explicações inventadas.

Nossa sede por respostas nos torna insaciáveis criadores de teorias. E isso é ótimo! O problema aparece quando, na pressa de nos livrarmos do “não sei”, nos apegamos a nossa primeira teoria antes de ela se mostrar madura. Devemos fazer a transição do “não sei” para o “é isso” de forma segura, ou vamos nos encher de certezas equivocadas.

As pessoas são capazes de acreditar em qualquer coisa que lhes digam. Que fique o exemplo dos criacionistas! Quantos criacionistas existem no nosso país? Cento e vinte MILHÕES, não é mesmo?

Não, não é! Eu inventei esse número. Qual é o número verdadeiro? Não sei.

Se quer saber a verdade, duvide! O mundo não costuma te dizer quando está mentindo pra você.

sábado, 29 de outubro de 2011

Um blog para escrever

Faz quase dois anos que não publico nada em meu blog.

É típico da minha personalidade: eu fico muito tempo sem atualizar as coisas. Acho que eu gosto da sensação. É como um doce de abóbora, tirando que eu não gosto de abóbora. Prefiro salgados também, pra falar a verdade. Talvez uma pizza de mussarela?

Ah! E agora tem essa que o certo é grafar muçarela. Eu não me importo, como tantas coisas dessas que não me importo. Se importar cansa e eu guardo esse esforço pra coisas que valem a pena. Mussarela, muçarela ou mozzarella, tanto faz, foram feitas para comer, não para se escrever.

Hoje era um daqueles dias em que algo de ruim podia acontecer comigo. Um dia qualquer. Até agora nada de ruim aconteceu. Isso me gela a espinha, pois eu não costumo passar um dia ileso. Tento colocar na minha cabeça que o tapete novo da sala me incomoda, satisfazendo assim minha cota diária de desagrado.

Então ocupei minha mente arrumando esse blog, caprichando nele. São esses caprichos que nos fazem felizes, não é mesmo? Não, não é, mas eu gosto, sim.

E espero que goste de ler! Ou não, na verdade eu não me importo tanto assim.

Fiz esse blog para ser escrito, não para ser lido.

domingo, 10 de janeiro de 2010

Post proibido

Assist "Paranormal Activities" e "Contatos de 4o. grau". Eu realmente não vim aqui argumentar porque esses filmes são farsas. Usem o bom senso e cheguem a essa conclusão vocês mesmos, ou se preferirem, esqueçam o bom senso, continuem acreditando e bom pânico irracional para vocês.

Já cansei de ouvir: "Diego, você só acredita na CIÊNCIA?", "Diego, seu ateu filho da puta, você não acredita em NADA?". Sou racional e podia mesmo colocar na minha cabeça que a fé faz sentido e eu sou o pior dos canalhas por não tê-la. Colocaria isso na minha cabeça e seguiria meu caminho atrás de espíritos, ETs, jesus e cia. Fé: acreditar sem ver, dar um voto de confiança, que belo, que lindo, que romântico. Que merda.

"Abençoados os que não precisam ver pra crer" me disse alguém outro dia. É bonito e escrito por Deus, mas não faz sentido. Não é que não faz sentido pra mim, é que não faz sentido mesmo. Vou ficar acreditando em toda bobagem que inventarem? Não preciso de critério pra crer, vou escolher no que eu acredito e nem pensar a respeito?

Devia temer a chama infernal do inferno que Deus está reservando pra mim. Assim que eu publicar isso ele vai colocar mais um carvãozinho pra me chamuscar lá. Ele em sua infinita bondade, vai me mandar pro inferno, ele vai. Sua infinita justiça me condenará infinitamente culpado, e culpado que sou então me mandará para que eu fique infinitamente sofrendo nas masmorras do ranger dos dentes. É pra onde eu vou. Não tem telefone, mas eu posso tentar entrar por debaixo do seu colchão e bater sua porta de brinks de madrugada.

Ah os ETs. Claro, eles estão aqui muquiados. Na surdina, nós somos experimentos deles. Shhhh, cuidado eles podem ouvir. Eles são baixinhos cabeçudos e parecem uns bonequinhos. Mas eles sequestram a gente de madrugada pra comer a nossa bunda. Eu to ligado, eles vão naquela cidade lá no Alasca, onde é tudo muito mal documentado, eles não querem aparecer. Mas, mesmo tendo tecnologia pra atravessar o cosmos vindo de sei lá onde, eles ainda assim não conseguem se esconder muito bem. Resolveram aprender umas linguas mortas ai só de zueira. Ou não, os deuses egípcios que eram ETs, né?

Me poupem e, por favor, se poupem.

Dinossauros e bicicletas

Quando eu era criança tinha um livro que cheirava bem e era colorido e brilhante, vistoso. Eu lia ele quando minha mãe assistia uma novela que tinha a trilha sonora do Kiko Zambianchi - Primeiros Erros. Era um livro sobre os dinossauros, os seres mais incríveis que Deus não fez.

Lembro que o que mais fascinava era uma página que tinha o esqueleto de um Diplodocus, um simpático, herbívoro, gigante e fantástico dinossauro. Dava pra ver em tamanho real o dinossauro e eu achava muito grande. Falava pra todo mundo: nossa, você já notou como os dinossauros eram grandes? Sim, eles já haviam notado.

Dinossauros são o design perfeito, deviam fazer todos os produtos em formato de dinossauro: prédios em formatos de dinossauro, privadas, bolsas, biscoitos, sapatos, carros, melancias, pães de queijo, tudo. Vamos lembrar quem são os reis deste planeta, vamos honrar sua memória!

E que maldito seja quem mandou uma pedrinha aqui pra matá-los. Estava tudo sob controle - os humanos não iam ter a menor chance e estariam todos mortos, e eu teria nascido dinossauro.

Minha vida seria muito mais legal, ao invés de trabalhar, eu iria morder e correr e grunir. E comer toneladas de comidas chafurdando nelas vivas. E grunir de novo. E morder alguma coisa e quebrar umas árvores aí. Ser boçal com estilo. Quem precisa de inteligência com uma mandíbula do tamanho de um homem crescido?

Ou nascer dinossauro, ou ter um de estimação, no quintal. Eu ia dar filhos da puta pra ele comer. Eu ia mostrar pro meus amigos e avisar pra não pôr a mão que ele morde. Eu ia pôr uma placa no portão: cuidado com o dinossauro. Se eu perdesse ele, colocaria no poste um alerta: "Procura-se dinossauro: réptil comedor de gente. Criança doente.".

Eu morria de medo do papai noel no shopping, mas quando eu sentava lá sempre pedia um dinossauro e "HO HO HO, não prefere uma bicicleta?". Não prefiro uma bicicleta! Não prefiro! Não e não! Será que é tão difícil ganhar um dinossauro?

Estou comprando dinossauros, quem tiver um sobrando entre em contato.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Nascido em 4 de julho

Nasci errado, que não queria ter nascido, e fui fruto cirúrgico de algumas camadas de tecido humano dilacerados e pacientemente costurados para minha estréia.

Aos 5 anos eu era uma massa bochechuda e descontrolada de carne, contexto em que fui tragicamente atropelado pelo meu vizinho na rua de casa ao tentar alcançar o outro lado da rua por meus próprios meios, sem sucesso.

Sobrevivente, aos 7 resolvi que seria uma boa idéia unir com um grampo de metal os dois buracos da tomada. Por que separados, afinal? E ganhei uma mão enfaixada pra brincar de múmia.

Tinha um poço em casa onde eu milagrosamente jamais caí, como seria de meu feitio. Gostava de descascar a tinta do muro dos fundos do quintal pra tentar recriar o mapa mundi. Dos mesmos fundos de quintal eu decolei em meu primeiro sonho de voar, entrando pela janela da cozinha e acordando prematuramente por não conseguir desviar da torneira.

Na unica partida de beisebol que disputei na minha vida, busquei obstinado apanhar a bolinha que meu irmão lançou e que encontrou seu destino em minha mão direita, alguns centímetros além da porta de vidro. Para minha infelicidade, a porta estava fechada. Para infelicidade da porta, eu não notei. Como vingança, reduziu-se à pequenos estilhaços que perfuraram impiedosamente a fina pele do meu braço.

Com 8 anos, eu estava confiante de que havia conseguido finalmente montar um videogame à partir da embalagem de meu relógio à prova d'água. Alguns botões desenhados e um recorte pra entrada dos cartuchos e voilà, um videogame construído do zero. Nunca consegui jogá-lo, por motivo de meu pai ter recusado-se a ligá-lo na TV, o que era uma tarefa terrivelmente complexa pra mim.

Começei então a depositar todas as minhas esperanças na promoção do Toddy que sortearia 1 Mega Drive. Eu nunca tinha visto um na minha frente, mas a pequena foto impressa na embalagem do achocolatado me fascinava de uma forma que eu jamais senti de novo. Acordei por repetidas vezes na madrugada e me aventurei sozinho para a escura e colossalmente gigantesca cozinha de minha casa em busca da embalagem que teria a foto do então objeto mais desejado de toda a minha vida.

Esse último episódio marcou profundamente meu caráter, me ensinando que nada se ganha, que o fascínio pode ser perigoso, que os videogames são fantásticos e que o Toddy empelota. Meu Mega Drive veio só no aniversário, mas veio, antes tarde do que nunca, e fui feliz para sempre.