domingo, 8 de março de 2009

Sobre a vida, a morte e a sorte

O ser humano é caracterizado por seu córtex pré-frontal super-desenvolvido. Por isso possuímos a virtude da razão.

Usando a razão o homem criou o certo, o errado, a culpa, a inocência, os computadores e os blogs. Usando seus instintos o homem criou muitos outros homens, dentre eles eu.

Eu, homem, posso usar minha razão para fazer uma análise racional. A análise racional é possível àqueles que possuem a virtude da razão e, logo, também possuem córtex pré-frontal super-desenvolvido. Eu possuo. Você também.

Não mais do que isso, os homens são todos conseqüências de acasos coincidentes que levaram do calor ao frio, do pó à Terra, da Terra à vida, da vida ao córtex, do córtex ao homem e do homem a outros homens, e de muitos homens ao certo, do certo ao errado, do errado ao culpado, do culpado ao inocente, do computador ao blog.

O homem não nasceu para ser certo, nem para definir o certo. Nasceu para reproduzir-se de forma a passar para frente seus genes, se conseguir. O certo é criado na mente humana e não vive fora dela. O que é certo é certo porque convém a um homem, à alguns homens, ou à humanidade.

Não há certo na natureza, não há nada desta bobagem. A natureza flui inconsciente de seu fluxo, estúpida seguidora de regras matematicamente precisas. Não cede um milímetro às pré-determinações. É previsível, apesar de ser impossível de se prever.

E você é só mais um nó nessa malha da natureza, resultado mais complexo de tudo, mas que não deixa de ser resultado.

Mas é tão incrível para o nosso bom senso assumir que tal complexidade seja obra do acaso, de tão improvável, que muitos se recusam a acreditar. O bom senso falha quando as escalas são diferentes daquelas em que o bom senso foi formado, restrita à nossa vida de alguns anos, à um raio de poucos quilômetros, à experiências limitadas.

O bom senso não crê. Não é útil para nosso córtex pré-frontal levar em consideração probabilidades tão pequenas. Já morreram de fome os homens que esperaram o peixe pular na boca. Mas a probabilidade é astronomicamente pequena, não nula. Penso, logo existo. Existo, logo é possível que eu exista.

Você não soluciona a improbabilidade tirando o acaso da jogada. Se não por acaso, foi planejado. O plano no caso seria tão complexo e improvável que, seguindo esse raciocínio, teria de ter sido criado por alguém. Se foi criado por alguém, estamos falando de razão, que é justamente o que seria tão complexo para ser explicado por um acaso. Então alguém criou o criador. Então alguém criou o criador do criador. E assim por diante.

Não vamos, então, assumir aqui que há um criador para solucionar a improbabilidade da vida, pois já vimos que não soluciona. Vamos imaginar por hora que, sem criador, o universo poderia ter sido do qualquer forma, com quaisquer ou sem regras, com ou sem sentido, com duas, três, onze, treze ou sessenta-e-quatro dimensões, ou sem dimensões, ou sem universo.

Em quais desses universos existiria este blog para conter esta análise? Ou seja, em quais desses universos possíveis, você estaria lá para ver? Certamente não em todos. Talvez em muitos, ou infinitos, mas pelo menos em um: este.

O universo já nasceu improvável, e era de se esperar que ele seria assim. As coisas sempre são do jeito que são. Sempre seriam do jeito que seriam. Sempre seriam de um jeito em detrimento de todos os outros. Sempre seriam improváveis.

Não se assuste se você sentiu dor de barriga às 11h07 da manhã de 18 de agosto de 2008, mesmo sendo a probabilidade de isto acontecer justamente nestas condições seja tão pequena que não existe uma forma de fazer esse número caber na página. Não se assuste se a sua dor de barriga dependeu de toda a história do universo para acontecer: das estrelas, da Terra, da vida, da barriga e, finalmente, da dor.

Não se sinta angustiado se tudo isso é tão maluco que você não entende. Você não nasceu para entender: nasceu para se reproduzir. Não se sinta culpado, não procure o correto, não seja hipócrita. Você está vivo, sabe-se lá como, e pode experimentar coisas. Aproveite sua vida, porque ela está acabando.